O cristianismo que temos, não é
uma obra natural que fluiu, normalmente, conforme os fatos se desenrolaram, mas
uma forma literária e formal citada pela Igreja de Roma de acordo com as
próprias conveniências e as do governo imperial.
No primeiro século do cristianismo,
as comunidades primitivas não eram detentoras dos textos, como hoje os
conhecemos; o que se tinha como ensinamento de Jesus era baseado nas epístolas
de Paulo, que foram escritas antes dos evangelhos.
Nenhum dos
Primeiros Pais da Igreja, inclusive Irineu, cita qualquer passagem que
conhecemos. E mais... citam muitas passagens que somente são encontradas nos evangelhos
apócrifos, rejeitados pelos canônicos. Isso nos leva a conclusão de que os
textos em que os comentaristas primitivos se apoiaram não são os quatro evangelhos
canônicos, utilizados hoje pelas igrejas cristãs. Eles vieram depois, num
processo contínuo, em que os ortodoxos foram construindo a visão de Deus,
Cristo e Igreja.
No sentido de desvendar o que de fato Jesus teria
transmitido, comparando-se com o que hoje temos, ficamos a imaginar quais
seriam seus ensinamentos em sua pregação oral? O que existe de verdade, o que
existe de fantasia, e o que sobrou, na realidade, da essência de seus
ensinamentos? Para buscarmos a pureza da personalidade e os ensinamentos de Jesus,
só o retorno aos textos evangélicos na essência primitiva. Mas como conseguir
esta façanha? Só mesmo com raras descobertas de textos enterrados em alguma caverna.
Quando analisamos “os ditos” do evangelho
Gnóstico de Tomé – encontrado em 1945 – deparamos com pensamentos, às vezes
diametralmente opostos daquilo que temos hoje. Dentr os inúmeros livros
considerados apócrifos e que foram banidos pela Igreja, os estudiosos sustentam
que o mais próximo dos verdadeiros ensinamentos de Jesus e da Igreja primitiva
é esse evangelho de Tomé. Acreditam os pesquisadores que as versões dos ditados
de Jesus nele encontrados, seriam, em geral, versões mais originais do que a
dos evangelhos canônicos, que teriam sofrido modificações e editorações ao
longo dos séculos.
Quando se refere aos documentos
cristãos, é bem verdade que nenhum dos livros que foram incluídos no Novo
Testamento, ou mesmo, qualquer livro cristão da Antiguidade têm os seus
originais. Os pesquisadores trabalham com cópias dos originais, ou para ser
mais exato, são cópias feitas de cópias dos originais. A grande maioria dessas
cópias, que chegaram até nós, está a centenas de anos dos originais.
O cristianismo dos primeiros
tempos não se constituiu num único bloco ortodoxo e monolítico, como muitos
pensam, várias correntes do pensamento de Jesus surgiram em antagonismo, pois,
conforme já notamos, em incalculável número, os textos circulavam nos tempos
iniciais da “formatação” do cristianismo, com anotações díspares sobre a vida e
ensinamentos de jesus, cada qual seguindo determinado líder religioso. Daí, o
porquê do surgimento dos vários evangelhos, segundo narram os pesquisadores,
chegando a mais de 70.
É preciso,
portanto, cautela sobre o que herdamos e que chegou até nós como palavras dele.
Reafirmamos: o que temos retratado nos evangelhos canônicos foi fruto de
construção teológica, ao longo dos tempos, com o objetivo de formatar Igreja
com os líderes eclesiásticos e agregar, numa única estrutura harmoniosa, os
grupos cristãos, Constantino incumbiu, à sua custa, os lideres de igrejas de
todo o império de se reunirem em Nicéia, na Ásia Menor, para elaborarem uma fórmula-padrão
de fé cristã. Dessa reunião e suas consequências, nas décadas tumultuadas que
se seguiram, surgiu o Credo de Nicéia, que iria esclarecer o redigir o cânone
da verdade, juntamente com o que chamamos de cânone: a relação de 27 textos que
comporiam o Novo Testamento e que ajudariam a estabelecer o que Irineu tinha
visualizado – uma reunião mundial, numa igreja “católica e apostólica”, de
cristãos “ortodoxos”. Uma coisa importante a destacar é que o Imperador estava
interessado na unificação do Estado, e para isso, ele queria que a religião
cristã fornecesse a base ideológica ao império. Assim, a religião passou para
controle firme do imperador.
Hoje, sabe-se
que muitos dogmas, ritos, sacramentos e estruturas administrativas foram
adicionados aos evangelhos para dar sustentação às decisões dos diversos
Concílios: Doutrina da Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo -, nascimento
virginal, ressurreição da carne, nomeação de Pedro como sucessor e encarregado
de fundar a Igreja, salvação pela Igreja, céu e inferno, milagres, demônio,
juízo final, divindade de Jesus, perdão dos pecados, as penas eternas, entre
tantas outras ideias inconcebíveis pela lógica. Tais inserções mostram-nos,
sobejamente, a descaracterização do cristianismo dos primeiros tempos e sua divulgação
à população como se fossem palavras de Jesus. Não aceitamos, obviamente, este
“produto” que se constituiu numa “construção”, que mais serviu aos interesses
administrativos e políticos, do que, propriamente, atender aos princípios
iniciais da pureza dos ensinamentos de Jesus, que foram como dissemos,
adicionados, cortados, com a tesoura dos interesses do domínio do poder
temporal.
Sou Deísta
Fontes:
The Orthodox
Corruption of Scripture, Barte D. Ehrman, Oxford University Press, New York, 1993.
The Mythmaker Paul and
the Invention of Christianity, Hyam Maccoby,Weidenfeld and Nicolson, London,
1986.The Goddess in the Gospels, Margaret Starbird, Bear & Company,
Rochester, 1998.
The Last Gospel: the
book of Q & Christian Origins, Burton L. Mack, Id Press, New York, 1993.
The Last Gospel,
Barte D. Ehrman, Oxford University Press, New York, 2008.
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